Um expresso curto, por favor

O sinal está vermelho. É o que ninguém quer ver mas, mesmo assim, todos obedecem.
É que se o semáforo se fecha, os carros param, o mundo para. O tempo que se perde é incalculável, intangível. É preciso parar para que outros sigam, é para o bem coletivo. Todos os motoristas, no entanto, têm certeza: poderiam estar fazendo algo mais importante do que ficar ali, parados no trânsito. Imensas filas de carro interditam ruas, avenidas, travessas, praças, quarteirões, bairros... A cidade inteira para tentando se mover.
Nas calçadas, pessoas caminham para lá e para cá, desencontradas, esbarrando-se, desviando-se. Parecem correr atrás de algo, embora uma ignore qual a busca da outra. Todas no entanto têm a certeza de que é preciso se mexer, quem fica parado é poste. Dois conhecidos se encontram, quanta coincidência. Reconhecem-se, sorriem entre si, um faz sinal com a mão, procura iniciar uma conversa, o outro interrompe, “Estou atrasado, não tenho tempo, desculpa”. O um responde, “Depois te ligo”. Não ligará, mentira social. Desaparecem em meio ao mar de gente. Visto de cima, parece um cardume desordenado, à espera da Grande Gaivota que um dia virá coletá-los daquele mar de insignificância. 
As horas voam, o sol já está no meio do céu. Os restaurantes fast food estão cheios de pessoas apressadas, comem o mais rápido que podem, mal sentem o gosto do alimento. Sabor é o de menos, alimentar-se é uma formalidade requisitada pelo estômago. É preciso energia para enfrentar a tarde que está por vir. Há muito que se fazer. Muitos comem sozinhos, tendo como companheiros seus telefones celulares, para os quais olham insistentemente. Alguns estão acompanhados dos colegas de trabalho, conversam banalidades sobre a vida alheia, sobre o time do coração, uma ou outra palavra sobre a política, tudo muito superficial, tudo muito rápido, entre uma garfada e outra. Não dá tempo para aprofundar a conversa, aproveitar o momento, o horário de almoço é curto. Precisam voltar a seus postos, fazer a economia crescer, enriquecer o país e o patrão.
O sol se põe, outro dia se passa. O jeito é esperar pelo dia seguinte, o amanhã vai ser diferente, essa é a grande esperança que move a todos os que a pé, de carro, de ônibus, de moto, bicicleta, metrô ou trem, congestionam a cidade novamente. Desta vez, pelo menos, vão na direção contrária. Como já é rotina, ficam parados na tentativa de se moverem. Há quem vá para casa, há quem vá para os bares, há quem vá para o banco, para o mercado, a farmácia. Ainda restam alguns minutos para si, para a família, para os amigos. Todos cansados, exaustos pela jornada, falam pouco, falam alto, trocam mensagens de celular. A moda agora é acompanhar a vida dos amigos pela tela do celular, do computador. Batem um rápido papo virtual, superficial, amenidades da vida, ninguém tem tempo para conversar a sério, filosofar. Nos bares os engravatados afrouxam o nó do pescoço por mais um dia, querem ópio para esquecer o hoje e suportar o amanhã, “Garçom, traz mais uma dose, hoje foi difícil, eu mereço”. Cada um na sua hora, cada um a seu tempo, aos poucos todos vão para cama. Alguns não conseguem dormir, preocupações demais. Uma hora o sono vem, ainda que tarde demais. É preciso adormecer para recomeçar tudo de novo.
Acordam com o sol lhes queimando o desejo de ficar na cama. Levantam-se. Saem de casa para uma nova jornada. Um homem de olhos cansados entra numa cafeteria e pede um expresso, “Curto, por favor”. Não há tempo para um longo.

Celso Garcia

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