- Por que não? Fala.
- Você faz o que gosta?
- Como assim? Na vida?
- Na vida.
- Olha... não sei.
- Eu não faço.
- Nunca pensei muito nisso, mas... acho que eu também não.
- Engraçado isso, né?
- Você acha?
- Quer dizer, não engraçado, é... interessante, curioso, estranho, nesse sentido de engraçado.
- Ah, tá.
- Já parou pra pensar o quanto de pessoas são como a gente?
- Tipo, nesse sentido, de não fazer o que gosta?
- É. Quantas pessoas queriam estar fazendo outra coisa...
- É, engraçado. Triste, né?
- Triste.
- Eu até já desisti de fazer o que eu queria, sabe?
- Não devia.
- É, mas olha pra mim. Já não tenho mais tempo de ficar sonhando. As contas...
- Contas, família, é tanta coisa.
- Isso tudo, aí a gente vai deixando de lado.
- Muita gente faz isso. Não devia, mas faz...
- E tem escolha?
- Devia ter. Quer ouvir outra coisa engraçada?
- Manda aí...
- Já parou pra pensar em quanta gente não faz o que gosta?
- Você já falou isso.
- Calma lá, essa não é a parte engraçada. Então, tem um monte de gente que não faz o que gosta. E tem um monte de gente que sabe disso, entende?
- Sei.
- E é isso. A gente sabe que ao nosso redor tem um monte de gente que não faz o que gosta, a gente não faz o que gosta, mas parece que todo mundo está bem com isso. Ninguém faz nada pra mudar.
- Você fala de tomar uma atitude, correr atrás?
- Não, olha... Assim, nunca ninguém tentou criar, sei lá, uma sociedade alternativa, sabe?
- Sei, sei... É, engraçado.
- Né? Imagina se existisse um mundo em que todo mundo faria o que gosta, aquilo que a pessoa sente prazer em fazer. Já parou pra pensar, como seria esse mundo?
- …
- A gente se acostumou a saber que a pessoa do nosso lado é infeliz, a gente nem liga pra isso.
- A gente já tem problema demais pra pensar nos dos outros.
- Talvez.
- Sabia que lá naqueles países nórdicos, tipo Dinamarca, eles têm as maiores taxas de felicidade do mundo.
- É?
- É. E também, as mais altas taxas de suicídio. Engraçado, né?
- Onde você viu isso?
- Sei lá, numa revista, na internet...
- Deve ser mentira. Não faz sentido.
- Era um estudo de universidade, alguma coisa do tipo. E se a vida for pra ser assim, um desafio mesmo? Se a felicidade for fácil, não tem graça.
- …
- Olha ali, meu ônibus tá chegando.
- Tá lotado.
- Pra variar, né? Foi um prazer falar contigo.
- É, quem sabe a gente se encontra de novo por aqui.
- É, eu trabalho aqui pertinho, na esquina, sempre pego ônibus aqui.
- Legal, a gente se esbarra, então. Você faz o que lá?
- Eu sou gerente. E você, faz o que?
- Eu? Faço de conta que vivo...
Celso Garcia
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