O laço

Tinha franjas e corria, aquela garotinha. Um laço prendia os cabelos rebeldes, que balançavam conforme ela dava seus largos passos. Parecia flutuar, de tão livre. Ao chegar perto de outras crianças, suas amiguinhas, soltou um sorriso solar.
Sua risada atraiu a atenção de uma velha senhora, do outro lado da praça, que lia um livro. Cabelos cinzas, mãos manchadas, a pele já sem tanta elasticidade. Naquela manhã particularmente fria, os ossos doíam e ela se perguntava se havia tomado o remédio certo antes de sair de casa. Estava sozinha. Era sozinha. 
Ali perto, sob uma árvore grande, as crianças brincavam. A garotinha havia sentado no chão, sujando seu vestido claro. Mas, a garota do laço não se importava com a terra úmida manchando-lhe a roupa. Estava por demais entretida em ser top model com suas coleguinhas. Faziam poses enquanto uma delas, com um celular, tirava fotos. Eram celebridades.
A velha senhora colocou o livro de lado e riu-se com a cena. Voltou no tempo, lembrou-se que também já foi criança. Era tudo tão diferente. Não havia celular, não havia aquela praça, não havia os imensos prédios ao redor sufocando árvores e pessoas. Mas, já havia a amizade. Recordou-se de suas amigas, das brincadeiras (naquela época, as meninas brincavam de ser donas de casa, não modelos). Os tempos mudam, os amigos se afastam, os ossos começam a doer. E vida que segue, pensou. Sua viagem ao tempo foi interrompida novamente pelo estridente som das crianças brincando. Como era lindo aquele som, um dos mais bonitos que a humanidade sabe produzir.
As crianças, inquietas, já haviam mudado de brincadeira. Uma delas estava encostada em uma árvore, de olhos fechados, enquanto as demais corriam para cantos distintos. Pareceu à velha senhora ser um tipo de esconde-esconde.
A anciã alegrou-se em saber que aquela brincadeira ainda existia. Pegou novamente seu livro, quis voltar a ler, mas as vistas estavam cansadas. Ela agora já tinha certeza que não havia tomado o remédio certo pela manhã. Era melhor voltar para casa, havia deixado roupa pra secar e, além do mais, daqui a pouco começaria a novela. Guardou o livro na bolsa e, enquanto reunia forças para levantar, a garota do laço no cabelo chegou correndo e parou atrás da velha senhora. Agora, a idosa era o abrigo da criança. A vovó poderia levantar-se e estragar a brincadeira da garotinha, se quisesse. Mas, não. Algo lhe dizia que a coisa certa era servir de tapume para a visão da outra menina que procurava as crianças escondidas. A tensão da garotinha crescia conforme o tempo passava e a velha senhora podia sentir seu o medo dela em ser descoberta. A senhora sorria por dentro, estava fazendo parte da brincadeira. Há quanto tempo não participava de um esconde-esconde? A garotinha também sorria, mas de ansiedade. Quando a menina que procurava afastou-se o suficiente do pique, a anciã sussurrou.
- Vai, é sua vez!
A garotinha saiu de seu esconderijo cheia de energia, correu o mais rápido que pode e, batendo com a mão no tronco da árvore disse.
- Salva!
A velha senhora levantou-se feliz. Que fim de tarde inesperado! Estava na sua hora e, a passos firmes, ainda que lentos, caminhou pela praça. Deu uma última olhada para trás e viu que as crianças ainda brincavam – e continuariam brincando por muito tempo. A vovó atravessou a rua e no caminho passou em frente a uma igreja. Fez o sinal da cruz e resolveu entrar.
Quis agradecer a Deus pela alegria das crianças...

Celso Garcia

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