O som da separação


Separaram-se. Motivos? Não tinham maiores e mais importantes que os mesmos problemas pelos quais haviam passado várias vezes. 
Saiu de casa com uma mala na frente e outra atrás. Aquelas mudas de roupa lhe bastariam por aquele tempo. Calculara mais ou menos o período de permanência daquelas magoas no peito de Junia. 
Uma mesma música tocava em sua cabeça. Tinha para si que a audição era o sentido dos amantes. Nada lhe marcava tão bem cada uma das mulheres de sua vida como as músicas. Cheiros e gostos nunca foram tão eficientes. Menos ainda o tato.

No bar que havia escolhido, não havia música. Muitas vozes se misturavam no ar. Indecifráveis. Carlos só conseguia distinguir um movimento de boca do outro. Em sua cabeça, porém, só tocava a mesma música. Por mais que tentasse se desvencilhar, aquela trilha o assaltava a mente.
Lá pela quinta cerveja, levantou-se e se dirigiu ao banheiro. Peculiar estabelecimento aquele que permitia que os seus clientes se olhassem no espelho ao mijar. Um trapo. Impressionou-se com sua própria imagem refletida. Seus olhos cumpridos estupravam suas ideias e, no brilho de cada um deles, a mesma letra de uma mesma música que voltava para a sua cabeça. 
De todas as lembranças só uma lhe martelava a mente de segundo em segundo. Como que num clipe, ao som daquela mesma música, a imagem de Junia acordando sem roupa nem lençol que a cobrisse era clara. Sua pele completamente branca, suas curvas perfeitas que pareciam encontrar em sua cintura formas inigualáveis. Os cabelos. Apesar de preferi-los amarrados, adorava observar como eles se distribuíam pelos seus ombros. A porta bateu. Fechou o zíper. 
Nenhum dos casais daquele bar, pelo menos aqueles que Carlos conseguiu observar, possuíam no olhar aquela mesma estupidez sincera com que Junia o olhara naquela manhã de 1982. 
Ligou pra casa. A filha atendeu. Perguntou se já tinha escovado os dentes. Deu-lhe boa noite e disse que rezasse ao anjinho da guarda. 
Pagou a conta. Chorou. Comeu um cachorro quente que, apesar de não ter reparado, era mais gostoso por causa da trilha sonora. Tentou se desvencilhar da música. Numa conversa rápida com o cachorroquentista implorou por uma música da moda. Tentou algumas vezes repetir o refrão. Teimoso! Insistia em se misturar aos versos de Gonzaguinha.
Dez dias mais, enquanto assoviava involuntariamente aquela introdução e fazia alguns cálculos, recebeu uma ligação no escritório por volta das duas da tarde. Atendeu e sorriu. Desligou, pegou o blazer e partiu. Aquele mesmo corpo, com aquelas mesmas curvas, deixava bater sobre si a luz do sol que invadia a janela do quarto. Ela olhou pra ele e chorou. Ele agradeceu a Deus se dirigiu ao aparelho de som e deixou que as caixas assoviassem sozinhas.

Gustavo Dias

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