Este mês é a vez de Fernando Sabino. E a cena é de um livro muito interessante: “O menino no espelho”. Trata-se das próprias memórias do autor, de coisas que ele viveu, sobretudo na infância e na adolescência, que é quando todos nós recolhemos algumas das melhores recordações de nossas vidas. E o mais engraçado é que o autor se esconde na história atrás de um pseudônimo, Odnanref. Muitas palmas para quem adivinhar esse “anagrama”.
Na cena abaixo, Fernando está em uma missão muito importante: Salvar sua amiga galinha. Seu pai gosta muito de galinhada, e Alzira, a cozinheira da família, está pronta para matar a coitada. Mas será que o papagaio Godofredo vai conseguir estragar a missão? Só conferindo.
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CENA: GALINHEIRO – QUINTAL / MANHÃ / INTERNA
Mostra porta do galinheiro abrindo, e atrás dela Fernando, tentando não fazer muito barulho.
Fernando procura a galinha e a encontra no chão.
Fernando dá água para a galinha, e procura comida, encontrando um pouco na baia do papagaio Godofredo, que acompanha tudo o que ele está fazendo.
Quando Fernando tira a comida do papagaio para dar à galinha, ele começa a berrar.
Godofredo: Socorro! Socorro! Pega ladrão!
Fernando: Cala a boca, Godofredo.
Godofredo: Cala a boca já morreu! Quem manda aqui sou eu!
Fernando joga no papagaio o resto da água que tinha pegado pra galinha.
Fernando: Toma, seu desgraçado, para você aprender.
Godofredo: Socorro! Socorro! Pega ladrão!
Godofredo começa a berrar mais alto e bater asas, fazendo um escarcéu, e cai do poleiro, ficando pendurado pela correntinha.
Fernando ouve o som de passos com chinelo.
É Alzira se aproximando.
Ele se apressa, pega a galinha e corre para o porão ali perto, e fica lá escondido observando Alzira.
Alzira: Que é que esse bicho tem? Não fala nada que preste e de repente destampa essa gritaria toda!
Alzira vê o papagaio pendurado e o coloca de volta ao poleiro.
Alzira: Pronto! Que é que você quer, coisa ruim? Quem é que é ladrão?
Godofredo: Sua galinha! Sua galinha!
Alzira (brava): Galinha é você! Galinha verde!
Alzira olha ao redor.
Alzira: Por falar nisso, onde é que se meteu a galinha?
Godofredo: Na bacia! Na bacia!
Fernando sai do porão e senta numa bacia que está ali.
No caixote abaixo está escondida a galinha.
Alzira o vê saindo do porão.
Alzira: Uai, que é que você estava fazendo ali escondido, Fernando?
Fernando: Nada não...
Alzira olha com ar de suspeita.
Alzira: Boa coisa é que não há de ser. (Para si) Alguma esse menino anda arrumando, com esse ar de cachorro que quebrou a panela.
Godofredo: Na bacia! Na bacia!
Fernando (gritando): Cala essa boca, seu filhote de urubu!
Godofredo: Na bacia! Na bacia!
Alzira: Que é que esse tagarela está falando?
Fernando: Está te chamando de nabacinha.
Alzira: Nabacinha? Que quer dizer isso?
Fernando (sério): Quer dizer vagabunda
Fernando fala como se fosse a maior verdade do mundo.
Alzira arregala os olhos, e ergue no ar o facão.
Alzira: Vagabunda? Está me chamando de vagabunda? Nabacinho é você, seu bicho ordinário! Não sei onde estou que não te corto o pescoço, asso no espeto e como, ouviu? E ainda chupo os ossinhos um por um!
Alzira volta a olhar em volta, procurando a galinha.
Alzira: Por falar em comer: quede a galinha? Já está na hora de fazer o almoço. Onde é que ela se meteu?
Fernando: Não sei...
Alzira: Você não estava brincando com ela ontem, menino?
Fernando: Isso foi ontem. Hoje eu não vi ainda essa galinha.
Alzira: Será que fugiu? Ou alguém roubou?
Ela olha para o papagaio, cismada agora com o silêncio dele.
Alzira: Vai ver que é por isso que esse nabacinho de uma figa estava gritando pega ladrão. Algum ladrão de galinha.
Fernando se anima com a interpretação de Alzira.
Fernando: Isso mesmo! Quando eu estava ali no quintal vi um homem passar correndo... Levava uma coisa escondida embaixo do paletó. Só podia ser a galinha.
Alzira não acredita muito na história de Fernando.
A galinha se mexe no caixote, bicando a bacia.
Fernando se assusta, e logo começa a bater os dedos na bacia para disfarçar.
Alzira (Para si): Esse menino está com um jeito muito velhaco. Sei não... Alguma ele andou fazendo.
Alzira encara Fernando mais um pouco e sai pelo quintal pra procurar a galinha.
Dona Odete chega ao quintal para falar com Alzira.
D. Odete: E aí? Já matou a galinha pro almoço?
Alzira: Não to achando ela, Dona Odete. Sumiu!
D. Odete: E agora, como vai ser? Como é que ela foi sumir assim, sem mais nem menos?
Alzira: Sei lá. Não acredito que tenham roubado, como disse o Fernando. Vai ver que saiu voando e pulou o muro.
D. Odete: Bem que eu pensei em cortar as asas dela e me esqueci. Agora é tarde.
Alzira aponta para Fernando.
Alzira: Para mim, a gente anda precisando de cortar as asas é desse menino.
D. Odete: Está quase na hora do almoço. O Dr. Junqueira está para chegar de uma hora para outra, e como é que a gente vai fazer sem a galinha? O Domingos vai ficar aborrecido.
Nesse momento, Seu Domingos chega ali, com um jornal nas mãos.
Seu Domingos: Tem ninguém nessa casa não? Por que tá todo mundo no quintal?
D. Odete: Ai, domingos, você nem vai acreditar. A Galinha sumiu. Não sabemos como, mas ela sumiu. A Alzira está achando que alguém roubou.
Seu Domingos olha para todos, inclusive para Fernando sentado na bacia, que está satisfeito de ninguém ter achado a galinha.
Ele percebe que o menino aprontou alguma e dá um sorriso de canto de boca.
Seu Domingos: Ué... Faz outra coisa! Macarrão, por exemplo. O Dr. Junqueira é bem capaz de gostar de macarrão. Vou ler o meu jornal lá na varada.
Alzira e D. Odete ficam satisfeitas.
D. Odete: Ai, que bom que o Domingos não achou ruim.
Alzira: Eu bem acho que ele tá é com vontade de macarronada, viu.
Elas saem para a cozinha.
Fernando, satisfeito, confere se elas já foram, e, em seguida, liberta a galinha.
Fernando: Agora você tá livre.
Então ele olha para o papagaio.
Fernando: E quanto a você, Godofredo, da próxima vez que falar demais eu te transformo em galinha rapidinho.
Godofredo: Nabacinho!
Mostra rosto bravo de Fernando.
Legal, Leo. Super visual e dinâmico, tenso na parte final, com todos se aglomerando ao redor de Fernando, fica aquela expectativa da descoberta (q não vem, pra sorte da galinha). Boa adaptação! Abraços
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