O compositor de emoções

Lá estava ele. De olhos fechados, apenas contemplava os ruídos que vinham da platéia, que já o chamava para o palco para mais um show. Fechando os olhos, ele podia sentir e energia que vinha daquele povo. Era como se aquilo tudo carregasse suas baterias, para que tivesse todo o pique necessário durante toda a apresentação. E de olhos fechados ele se lembrava da própria vida, de tudo que passou até aquele momento... De quando as músicas vinham à mente, trazidas pela amiga inspiração.
Lembrou-se do dia que, em sua escrivaninha, rabiscou os versos de uma nova canção. Uma música que tinha por objetivo muito mais que tocar corações. Ele queria que essa canção pudesse mexer com alguém em especial. Mas ele não queria dizer claramente “isso é para você”. Afinal, as melhores coisas só são boas porque nos tocam sem dizer que são para nós. Assim eram suas músicas. Intrigante sequencia de notas capazes de tornar a vida mais bela, ou pelo menos mais esperançosa. 
Concentrado, esse poeta de líricos versos esquecia-se de tudo e voltava-se inteiramente para seu lápis e seu bloco de notas. Com eles, compunha suas letras onde quer que estivesse, enquanto caminhava pelas ruas e via alguma cena que o tocava, ou mesmo em sua casa, no seu quarto tão pequeno e tão cheio de segredos e recordações, que mal cabiam dentro daquele lugar. Mas era exatamente ali que ele se sentia um criador. 
“Toc toc toc”... Alguém bateu à porta. Aqueles toques eram como um sinal para que o compositor saísse de seu transe criativo e voltasse para o mundo real. Se bem que para ele, aquele era o verdadeiro mundo. O seu mundo. Onde se sentia melhor. Às vezes, para alguém que lida tão intimamente com sentimentos, o universo de seu cantinho é certamente infinitas vezes melhor que as ruas e avenidas que cortam as cidades que nos consomem cada dia mais em suas tramas. Mas era preciso voltar ao mundo dos mortais. Afinal, sem forças ninguém consegue criar. E ele precisava se alimentar, seja de comida, seja de notícias... Do grande mundo... Do velho porto. 
- Ai, que delícia. Café completo pra mim. 
- Claro, né, filho! Você precisa se alimentar. A vida não é só fazer música. 
- Eu sei, mãe. É que eu empolgo. 

Ele então sentou e começou a comer. Tudo muito gostoso, com aquele toque de carinho que só a mãe da gente tem e que transforma até mesmo um simples arroz com feijão num dos pratos mais gostosos que podem existir. Comendo, o compositor se alimentava também de sonhos, pois as melhores inspirações acontecem quando estamos fazendo quaisquer coisas que não propriamente o ato de escrever. 
Mas assim que terminou o compositor logo voltou para seu trabalho. Ele precisava terminar a nova música, num daqueles rompantes de criatividade que é muito comum nos artistas. Não se podia perder o que estava na mente, querendo se transformar em belos versos, que muitas pessoas cantariam ainda. Geralmente não nos damos conta do quão difícil foi fazer aquela canção que tanto gostamos. Muitos rabiscos e reescritas que enchem o papel até que a “versão final” fique pronta. Era dedicação. Ao seu trabalho e, principalmente ao seu público. 
Não tardou e saiu uma musica nova, prontinha. Versos que, se não virassem canção, poderiam participar de qualquer concurso de poesias, com chances reais e irrefutáveis de vencer. Mas muito mais que ganhar concursos, ele queria que aquilo ficasse na boca e nos corações do público. O seu público. Fiel, já cativo. E isso ficava ainda mais fácil na vida dele por ter na família mesmo alguém que o completava, arranjando suas canções com os melhores acordes. Uma pessoa que servia não apenas de espelho, mas também de inspiração, de orgulho, de felicidade. Pedir ao seu pai para “colocar” música naquelas linhas rabiscadas em um papel era mais que simplesmente querer vê-las musicadas. Tratava-se de dizer também “não vejo ninguém melhor que você para fazer isso”. 
Assim, o compositor de emoções estava pronto para mais um show. Plenamente preparado para entrar naquele palco e sentir sua alma entregue ao seu público cativo e sedento de ouvi-lo. Frio na barriga, como de praxe, para apimentar o espetáculo. Todo mundo sente isso. E um artista tem essas sensações um tanto quanto à flor da pele. Ali na coxia tudo era apreensão. Tudo pra que fosse um sucesso sua apresentação. Todos correndo e dando tudo de si para o bem do show. E ele estava ali, de olhos fechados, sereno... 
Mas era hora de entrar. 
Ele abriu os olhos e seguiu. 
Pronto! O Espetáculo vai começar.

Leonardo Távora

3 comentários:

  1. Todo espetáculo merece platéia. Todo bom espetáculo merece platéia cheia.

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  2. Puro, doce, cativo! Parabéns

    Julio Ceoli

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  3. Ainda vou levar um tempo pra me habituar com essa sua facilidade em ser sublime.

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