Minha amada imortal

Estava estes dias lendo mais uma vez, as “Cartas à Amada Imortal” de Beethoven. Impossível não se emocionar com tamanha sinceridade depositada em cada entrelinha daquelas cartas.
Nem eu, e nem ninguém, sabe quem é a Amada Imortal de Beethoven, nem ao menos sabemos porque ela merecia um pseudônimo com adjetivos tão fortes e significantes. Mas eu nasci e cresci, sustentado por uma lacuna inabalável... Conheci de perto uma mulher digna de ser chamada “Amada Imortal”.
Forte, destemida, não deixou intimidar pelos revezes da vida. Moça, já aparentava sinais externos de cansaço. Ainda sim, esteve sempre bem penteada, vestida com roupas simples, mas que exalavam um cheiro agradabilíssimo, conseqüência do cuidado impecável que tinha.
Nove filhos. Dez, comigo. O neto-filho. Implorou aos céus por toda a sua vida que não permitisse á ela enterrar um filho. Assim foi. Pode descansar sem suportar a dor de deixar ir um de seus pedaços.
Ela dizia sentir saudades do céu. Questionávamos como era possível sentir saudades de um lugar que não conhecemos. Mas ela insistia. Enchia a boca para expor sua Saudade, e dizia-nos que era um lugar lindo, o mais maravilhoso de todos.
Eu, muito criança, não pude discernir bem as circunstancias à minha volta, quando minha avó passava por seus últimos dias em vida. Não percebi o quanto estava debilitada, e nem ela quis que eu enxergasse isso. Só dei por mim, quando estava ali, ao lado da lacuna, agora caída; Não porque não resistiu, pelo contrário; Foi forte o suficiente para erguer novos pilares, e suportá-los até que pudessem se manter sozinhos.
Ela era linda, caro leitor. Linda! Dona de um rosto ímpar, que não se assemelha á muitos outros. Era também dona de uma voz maravilhosa, impecavelmente afinada, e com um timbre que mais parecia um instrumento de sopro sendo tocado. Linda, caro leitor, linda!
Um dia antes de escrever este texto, fiquei sabendo de algo divino, acontecido com uma de minhas tias, a primeira filha de minha avó. Contava-me que, dias após o sepultamento, tivera um sonho lindo. Neste sonho, minha avó estava assentada confortavelmente em um banco de madeira, quando então minha tia se encontrara. Afoita, aproximou-se e perguntou:
- Mãe? Onde é que tu estás?
- No paraíso, minha filha. No paraíso...
Tia Geusa acordara em seguida. Hoje, diz lembrar-se nitidamente e com freqüência do sonho de anos atrás.
Obrigado, querida, por dar-nos um chão. Ainda que de barro, foi capaz de suportar grandes pesos. Moldastes uma família, e todo o amor incondicional que nos une, é fruto de tuas lágrimas, e preces, e batalhas intermináveis. Se hoje, somos assim, juntos em todos os momentos, é porque tu ergueste um fundamento sólido, que por muito nos abrigou. Agora, seguimos nossas vidas, amando aos nossos próximos, da mesma forma que nos amaste.
Ao me deitar, posso às vezes ouvir tua voz, terna, e ânsiã, entoando lindos cânticos, acompanhados pelo delicado som do triângulo, tocado por tuas mãos cansadas, velhas do tempo, mas ainda dispostas, se houvesse precisão.
Linda, caros leitores, linda!
“Plena paz, e santo gozo”.
Saudades, Minha Amada Imortal.

Cláudio Rizzih

5 comentários:

  1. Sem palavras, para poder comentar... só falo uma coisa, você escreve com a alma, transparece as suas emoções. Ficou belissímo o texto, Claúdio, gostei de verdade!!!

    Parabéns, parabéns!!! Bjs

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  2. Quando me dei conta, já estava tomada pelas lágrimas. Estou de verdade sem palavras. Texto divino! Escrito com o coração! Adorei!

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  3. Quando me dei conta, já estava tomada pelas lágrimas. Estou de verdade sem palavras. Texto divino! Escrito com o coração! Adorei!

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  4. É, concordo: senti emoção. SUA emoção veio PRA MIM. Bem-vindo, Cláudio. Me desculpe não ter aparecido no teu post de estréia, mas eu meio que "fujo" da etiqueta. Não que tenha sido esse o motivo de minha ausência, mas eu sempre dou uma desculpa elegante. Sempre.

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  5. Arrepiei, enchi os olhos de lágrima. Reflexiva.

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