A falsa farsa

Faz tempo, mas me lembro
Na aurora tua palavra era ouro
Reluzia por trás da cortina de medo
Iluminava a escura face da dura realidade
E, como numa ilusão de Houdini, palavras mágicas
Transformavam em pó a sombra das aflições de outrora
Daqueles dias só restaram rastros invisíveis de mentira e assombro

Hoje conheço bem tua ópera, tuas falas ensaiadas, és artista num palco
Encenas bem teu papel, admito, mas não penses que me enganas
Bem sei que por trás de tuas palavras, teus risos e teus choros
Há intenções escusas, ocultas vontades, incertas razões
Eu sou fantoche que manipulas sem pudor
Apenas mais alguém em tuas mãos
Objeto inanimado, nada mais

Eis que chega a madrugada
A lua se enche e te transformas em lobo
Dilacera sem dó as promessas, a cumplicidade
Foge sob o orvalho em busca de abrigo sob a noite fria
Deixa em frangalhos quem acreditou em falsos laços de afeto
Fico a esperar que o sol renasça e traga calor ou quem sabe alguma luz
Ou então, que uma viva alma que me encontre sem esperanças, mas ainda vivo

Ah! Bem sei, porém, que o destino vadio e traiçoeiro enviar-me-á você de volta
Batendo à porta com leveza, pedindo perdão a este ser ingênuo e inseguro
Jurando arrependimento e fazendo promessas outra vez e de novo
Pois o lobo bem sabe que o cordeiro é tolo e crente
E não tem amor próprio e assim o lobo mente
Renova-se outra vez esta relação doente
E então recomeça o eterno vai e vem

Celso Garcia

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