Falando em descompassos...

Então eu estava aqui, sentado em meu sofá, acompanhando as coisas que aconteciam logo ali, diante da janela que dava para a rua. Uma janela grande. Minha parede de vidro. Meu refúgio. Tão bom viajar assim, nas carruagens dos sonhos. Ainda que com os olhos abertos, eu sonhei demais. Incompreensíveis dialetos eu aprendi nessas andanças pelas nuvens. Sem bagagens, mas com os sentimentos do mundo em mim. Muitas dessas coisas eu traduzi em arte, essa sim mais compreensível aos olhos e ouvidos das pessoas. Nos meus excessos, eu aprendi qual o verdadeiro caminho da vida. Quais as consequências das minhas escolhas. Quem eu devo e quem não preciso levar em consideração.
Mas o que eu mais aprendi com tudo o que já vivi nessas parcas décadas de minha existência foi que não existem caminhos sem volta na vida. Os descompassos excessivos que alguns artistas vivem são procuras, tentativas... Não definições. Nem deles, nem do caminho que trilham durante a vida. E a cada nova experiência incontável eu procurei tirar coisas boas, que pudessem virar alguma lição que nunca quis dar a ninguém, mas que me moldam, como um oleiro que trabalha o barro até que o vaso esteja pronto, viçoso e vistoso. 
Aprendi também que o amor - não esse que encontramos aos montes nas esquinas, efêmeros, descompromissados, desinteressados - o verdadeiro amor, ah, esse é capaz de suportar inclusive as peremptórias negativas que, muitas vezes, dizemos sem pensar. Quando menos achamos que merecemos esse amor, e olhamos àquela pessoa que nos ama de verdade, poxa, é tão bom ver que os braços permanecem lá, abertos, prontos a nos confortar. Já me senti reconfortado tantas vezes pelos mesmos braços para os quais algumas vezes eu disse “não”. Assim como meus braços já estiveram algumas vezes abertos pra quem me disse não. São coisas da vida. Quando amamos - mas amamos profundamente, com tudo de bom que temos em nós - essas negativas são sempre menores. Simplesmente estamos lá para quem  achamos que merecem nosso amor, nossa dedicação.
Nesses caminhos da vida, que podem ser regados com os excessos da chuva fluida e inesperada, ou como a aridez dos campos longínquos, muitas vezes eu me disse ilegível. Para todos. Para mim. Uma grande e bem fechada caixa de segredos. Mas isso não é lá uma grande e irrecorrível verdade. Há quem aprenda a nos ler, nos decifrar. Porque muitas vezes é preciso que as pessoas tentem - e muitas não fazem - enxergar além do que os olhos podem ver. É preciso olhar com a alma, com o coração. Quando eu me julguei indecifrável na verdade eu só estava pedindo que me olhassem com o coração. Aí, nem escassez, nem excesso. Apenas e tão somente eu, na mais verdadeira das minhas expressões.
O que as palavras não traduzem é o que não pode ser dito, mas apenas sentido. A cada nova primavera nesses palcos da vida, eu tentei encontrar alguém que soubesse me olhar além do próprio olhar. Alguém que pudesse ler o ilegível e decifrar o descompasso. Com sorte, eu encontrei humanos, pessoas capazes de ouvir o incompreensível. O amor foi posto à prova algumas vezes, pra ver se resistiria ao tempo, à distância, à negativa, à aridez, muitas vezes, do meu próprio ser. Quantas vezes eu disse “não me ame”... Quantos foram os períodos em que eu simplesmente sumia. Mas este amor continuou ali, firme, resistente e insistente. 
Nem tudo na vida são glórias. As viagens pelo mundo são muitas. Levamos poucas coisas de material, para poder levar conosco o próprio mundo, esse sentimento que já mencionei. A alma de um artista é como uma colcha de retalhos, e cada novo aplauso é como uma nova costura nesse apanhado de sentimentos. Eu diria que os retalhos são as experiências de vida que acumulamos ao raiar de todo novo dia. Estamos vivos, e somos seres que subsistem de experimentações. No meu caso, as da vida e as da imitação dela em cada nova canção, a cada novo personagem... Nos palcos, nas praças, nos picadeiros, na vida...
Aprendemos. Aprendo... Aprendi! Nada tem valor se não amarmos o que fazemos e as pessoas que nos rodeiam e que nos amam de verdade, sem condicionantes e sem amarras. De modo puro e verdadeiro. 
Então, nos descompassos e nas regras, amemos!

Leonardo Távora

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