A seção deste mês preta uma homenagem a Aluísio Azevedo, um dos nomes mais proeminentes do naturalismo na literatura brasileira. Nascido no Maranhão, este autor, irmão do dramaturgo Arthur Azevedo, desde criança já demonstrava grande talento para a pintura e o desenho, o que, mais tarde, lhe auxiliaria muito na produção literária. Em 1881, lançou “O Mulato”, que apresento aqui, uma obra que deixou a sociedade escandalizada pelo modo cru com que desnuda a questão racial. Nela, o autor já se demonstrava um abolicionista convicto.
Na cena a seguir, Raimundo conversa com Manuel, sondando-o sobre a possibilidade de ter o consentimento para o casamento com Ana Rosa, filha de Manuel. O problema é que ela está prometida pelo pai a Luís Dias, que tem a simpatia de Manuel para se tornar o marido de Ana Rosa. Além disso, Raimundo é um mulato. E numa sociedade racista, no séxulo XIX, isso era um grande empecilho.
Boa leitura!
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CENA: ESTRADA DE CHÃO / EXTERNA / FIM DE TARDE
Já está adiantado o final da tarde, com o ambiente em uma ligeira penumbra.
Manuel e Raimundo vem caminhando pela estrada, em silêncio.
Raimundo (envergonhado): Tenho falado muito, mas, todavia, não tratei do que mais me interessa...
Manuel (curioso): Como assim?...
Raimundo: O senhor lembra que, outro dia, lhe pedi uma conferência em seu escritório, e, ou porque o meu amigo se esquecesse, ou porque mesmo não houvesse ocasião, o certo é que não chegamos a falar. No entanto, o assunto é de suma importância para ambos...
Manuel: E o que vem a ser?
Raimundo: É um grande favor, que tenho a pedir...
Manuel abaixa a cabeça, contrafazendo o embaraço.
Manuel: Trata-se de alguma questão comercial?
Raimundo: Não senhor; trata-se de minha felicidade...
Manuel: É a mão de minha filha que deseja pedir?
Raimundo: É...
Manuel: Então... Tenha a bondade de desistir do pedido...
Raimundo: Por quê?
Manuel: Para poupar-me o desgosto de uma recusa...
Raimundo (Perplexo): Como?!...
Manuel: É natural que o senhor se espante, concordo; dou-lhe toda a razão; está no seu direito! O senhor é um homem de bem, é inteligente, tem o seu saber, que ninguém o tira, e virá sem dúvida a conquistar uma bonita posição, mas...
Raimundo: Mas... Mas, o quê?
Manuel: Desculpe-me, se o ofende tal recusa de minha parte, mas creia, ainda mesmo que eu quisesse, não podia fazer sua vontade...
Raimundo (com receio): Está já comprometida com outro, talvez... Bem! Nesse caso, esperarei... Resta-me ainda a esperança!...
Manuel: Não é isso... E te peço que não insista.
Raimundo: Não quer separar-se da menina?
Manuel (chateado): Oh, por favor! O senhor me deixa desconfortável assim...
Raimundo: Também não é?... Então que diabo! Terei, sem saber, alguma dívida de meu pai, que haja de rebentar por aí, como uma bomba?...
Manuel: Que lembrança! Se assim fosse eu seria um criminoso em não o ter nunca prevenido. O que o senhor possui está limpo e seguro! Presto contas quando quiser!...
Raimundo fica bastante intrigado com as palavras de Manuel.
Raimundo: Ah! já sei... (rindo) Não quer dar sua filha a um homem de ideias tão revolucionárias?...
Manuel: Não! Não é isso! E fiquemos aqui! Sei que o senhor tem direito a uma explicação, mas acredite que, apesar da minha boa vontade, não a possa dar...
Raimundo: Ora esta! Mas então por que é?...
Manuel: Não posso dizer nada, repito! E te peço que não insista... Esta posição é para mim um sacrifício penoso, creia!
Raimundo: De sorte que o senhor me recusa a mão de sua filha?... Definitivamente?!
Manuel: Sinto muito, porém... Definitivamente...
Raimundo fica com um semblante muito entristecido.
Ambos se Calam e vão andando sem trocar uma palavra até a fazenda.
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