Livro em Cena: "Lado B - 3ª Temporada"

O primeiro roteiro dessa seção no ano volta aos modernos weblivros. E, mais uma vez, não poderia ser alguém diferente do escritor carioca Enrique Coimbra, que no ultimo novembro lançou a terceira temporada de seu “Lado B”, que conta as transformações na vida de Éron, um personagem instigante e cativante na medida certa e que nos prende à leitura com seu jeito peculiar de narrar a história. 
A cada nova temporada, Enrique nos trás um universo que faz da vida de Éron um turbilhão de emoções. Nesse terceiro livro noto mais foco nas relações familiares. Por isso, a cena escolhida não poderia ser outra. Esse é um momento ímpar na trajetória do livro. Éron precisa ajudar seu amigo a enfrentar o que ainda é encarado como tabu dentro das famílias: O risco das drogas. 
Boa leitura!

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CASA DE MARCO / INTERNA / FIM DE TARDE 

Madame Vercetti atende a porta e vê que é Éron. 

Madame Vercetti: Que ótima surpresa! 
Éron: Marco não avisou que eu vinha? 
Madame Vercetti: Não, ele passou o dia todo no quarto. Se divertiram ontem? 

Madame Vercetti diz isso dirigindo-se para a cozinha, e Éron a acompanha. 

Éron: Mais ou menos. É sobre isso que vim conversar com a senhora. 
Marco (interrompendo): Achei que desistiria de vir. 
Éron (olhando fixamente): Sabe que não. E sabe que eu estou desapontado por ter mentido de novo. (Éron se controla para não encostar o indicador no rosto e soltar perdigotos sobre o nariz de Marco)
Madame Vercetti (ainda tranquila, quebrando ovos na vasilha): De novo? 
Éron: Eu começo ou você? 
Marco: Aqui? Esse assunto deveria ser privado, Éron! A gente precisa ter cuidado com... 
Éron: Droga, Marco, você teve o dia todo pra falar com ela! O dia todo pra preparar as coisas! Por que está agindo assim? 
Madame Vercetti (Agora mais inquieta): Meninos... o que está acontecendo? 
Éron: Vou perguntar mais uma vez: eu começo ou você? 
Marco (caindo no choro): Eu juro que não usei nada. Eu não usei e só quero que você acredite em mim. 

Madame Vercetti suspira e apoia um par de dedos sobre os lábios, desconcertada. 

Madame Vercetti: Drogas, Marco? É disso que você está falando? 
Éron: Ontem, depois da festa, Marco deixou cair do bolso uma cápsula de cocaína. Ele diz que nunca usou, mas temo por... 
Marco (aos berros): Você está assinando minha sentença de morte, Éron. 
Éron: Você assinou. Se eu estou fazendo isso é pro seu bem. 
Madame Vercetti: Esperem, eu não entendo. (olhando firmemente para Marco) Eu não entendo, Marco! Por que faz isso? O que falta em sua vida para trazer tantas desgraças para cima de todas as pessoas que te amam? 
Marco: Vó, eu... 
Madame Vercetti: DIZ PRA MIM O QUE FALTA! DIZ! 

Eles se olham, em silêncio, por um instante. Marco não sabe o que dizer. 

Éron: Madame, por favor... 
Madame Vercetti: Éron, eu faço de tudo por esse menino! Dou o que me pede, dou atenção, dou carinho! Nós fazemos isso! E olha o que ele faz... Cospe em nosso rosto com desdém. Arrebenta com a dignidade de seu próprio corpo e pra quê?! PRA QUÊ?! 
Marco (enlouquecido): EU NÃO SEI! EU NÃO SEI O QUE FALTA! EU NÃO SEI O PORQUÊ DE EU FAZER ESSAS COISAS! EU NÃO ENTENDO! EU GOSTO! EU ME DIVIRTO! SIM, EU JÁ CHEIREI COCAÍNA MAIS DE UMA VEZ! SIM, EU IA FAZER ISSO DE NOVO! EU SEI QUE É ERRADO, SEI QUE ISSO MATA OUTRAS PESSOAS ALÉM DE MIM, MAS EU GOSTO DISSO! EU GOSTO DE ESTAR DROGADO! GOSTO DE FOD... 

Madame Vercetti dá um tapa estalado e seco no rosto de Marco, que fica muito vermelho. 

Madame Vercetti: Não quero ouvir uma palavra de sua boca. Não quero olhar em seus olhos ou tocar em você. A partir desse momento, seu único ambiente será seu quarto, sem internet, sem celular, até eu decidir o que fazer com seu comportamento. 
Marco: Sei que mereço, só que... 

Outro estalo, de Madame Vercetti, acertando o outro lado do rosto de Marco. 

Madame Vercetti: Eu disse que não quero ouvir uma palavra de sua boca e não irei. Agora suba antes que eu arranje algo mais duro e pesado para bater. 

Marco engole seco e lança um olhar espesso para Éron antes de se virar e subir as escadas barbaramente, o som se espalhando em eco pela casa. Madame Vercetti tomba sobre um banco e respira, exaurida. 

Éron (cruzando os braços, triste): O que faremos? 
Madame Vercetti (firme): Você não vai fazer nada, Éron. Já fez o suficiente, fez o que pôde. Você precisa sair para viver a sua vida. Até quando vai ficar salvando Marco de suas crises? Ele já é perigoso para si, não deixe que ele se torne perigoso para você. 
Éron: Não consigo entender... Não somos o suficiente? 
Madame Vercetti: Somos. O que você não encara é que Marco precisa de ajuda. Ele precisa de um médico. 
Éron: Não gosto de psiquiatras, eles vão dopá-lo, o que pode piorar o vício dele por aventuras. Não acho que seja uma boa ideia. 
Madame Vercetti: Eu estou falando de uma clínica de reabilitação, Éron. Deveria ter feito isso há mais tempo, mas me recusei a ver que meu neto é um viciado. 
Éron (sobresaltando): Ele não é um viciado! 
Madame Vercetti: Ainda. Ele mente, Éron. Não temos mais escolhas. 
Éron: Deixe-me falar com ele, Nora. Ele vai me ouvir. 
Madame Vercetti: Não quero que se ofenda, pois te adoro, mas preciso pedir para que deixe Marcos sob meus cuidados. Não o visite, não o procure por um tempo. 
Éron (exaltando-se): Está me pedindo para abandoná-lo? Ele é parte essencial do que eu tenho em minha nova vida! Ele me ajudou nas horas que precisei, não posso... 
Madame Vercetti: Você também fez isso quando ele precisou! Faça de novo! Ele tem que aprender que esse caminho que escolheu afastará as pessoas que se preocupam, que o amam. Não deixe seu sentimentalismo cegá-lo. Precisamos fazer isso para vê-lo vivo, inteiro. Prometa para mim que não o procurará ou responderá, caso ele te contate. Prometa. 
Éron: Eu... Eu prometo. 

Madame Vercetti se levanta e abraça Éron por preciosos segundos. 

Madame Vercetti: Vá, Éron, e não volte. Sairemos de Dourado por um tempo. Não sofra. Me certificarei para que Marco se sinta bem durante o processo. Quando voltarmos, será o primeiro a saber. 
Éron: Ele vai me odiar para sempre. 
Madame Vercetti: Agora. Quando entender que você fez isso por amor, pela recuperação dele, te perdoará. 
Éron: Você não tem certeza disso. 
Madame Vercetti: Vá, Éron. 

Éron entende e sai, sem olhar para trás.

FIM

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