Inventando: "Nascimentos"

Que bom estar de volta com a seção de roteiros do blog. Estava com saudades desse desafio mensal que é criar uma cena e tentar fazer com que você que lê visualize o que está apenas no papel, sem virar obra audiovisual. Este mês, mais uma vez apresento uma sequência de cenas, com duas realidades na hora de um nascimento lá no já longínquo Brasil imperial. Enquanto a sinhá era assistida da melhor maneira, a escrava infelizmente dava à luz ali, diante de todos, com ajuda precária de quem se compadecia do seu momento. 
Boa leitura!
01 - SALA DA CASA GRANDE / NOITE / INTERNA 

ANTÔNIO (jovem fazendeiro, com cerca de 30 anos de idade e boa aparência) está andando de um lado para o outro na sala, com semblante preocupado. JOÃO (homem com a idade próxima da de Antônio, mulato, com roupas mais rústicas) está com ele, tentando acalmá-lo. 

JOÃO 
Calma, Antônio. Não vai adiantar nada ficar nessa agonia toda. 

ANTÔNIO 
Você já foi pai, João? 

JOÃO 
Até onde eu sei, não! (riso) 

ANTÔNIO 
Então não dê palpite na minha agonia, oras. 

JOÃO 
Achei que as ferraduras nessa fazenda fossem destinadas apenas aos cavalos. 

ANTÔNIO 
Desculpe, meu amigo. É que estou nervoso, e a pior coisa do mundo é estar assim com alguém falando nos ouvidos para me acalmar. 

JOÃO 
Eu te entendo, Antônio. Só estou tentando aliviar a tensão. 

ANTÔNIO 
Não está sendo feliz. E isso é sério. 

CORTA PARA 


02 - SENZALA / NOITE / INTERNA 

JUSTINA (jovem escrava, muito bonita, grávida) está sentindo muitas dores. Ela grita de dor. As escravas estão alvoroçadas. ARICLÊ (também jovem escrava, mais castigada pelo trabalho) está a amparando. 

ARICLÊ 
Anda rápido, gente. A Justina vai ter o menino agora. 

CHICO (um escravo mais velho)
E o que é que nóis faz agora? Já vi muito parto aqui, mas nunca tive de participar de um.

ARICLÊ 
Vê se se mexe, e vai arrumar uma bacia com água. E sem tá gelada, viu! 

ESCRAVAS (adolescentes)
E a gente faz o quê? Chama Donana? 

ARICLÊ 
Nada de Donana. Ela tá cuidando da sinhá. 'Cês duas vão arrumar um pano pra embrulhar o menino e mais algum pra essa mãezinha aqui. 

As meninas ficam paradas, se olhando. 

ARICLÊ 
'Tão esperando o quê? Vai, gente... Se mexê

JUSTINA 
Ai, tá doendo demais. Tá demais... 

ARICLÊ 
Ô, meu Deus. Calma, Tina. Vai dar tudo certo. (Gritando) Anda logo, gente! 

CORTA PARA 

03 - QUARTO DA CASA GRANDE / NOITE / INTERNA 

MARGARIDA (Esposa de Antônio, 24 anos, muito bonita) está na cama, sentindo as dores do parto. DONANA (escrava mais velha da fazenda, ótima parteira) a está assistindo. 

MARGARIDA 
Meu Deus, isso dói demais. 

DONANA 
Calma, sinhá. Parto é assim mesmo. Já já a sinhá vai estar com seu filhinho nos braços. 

MARGARIDA 
Tomara que venha logo (contrai-se). Porque eu não vou aguentar isso aqui por muito tempo. 

DONANA 
Vai sim, sinhá. A sinhora é forte. Bem mais até que imagina. Agora tenta ficar calma pra ir tudo direitinho. 

MARGARIDA 
(grito)
Ai... 

CORTA PARA 

04 - SALA DA CASA GRANDE / NOITE / INTERNA 

Antônio segue nervoso. Ele se senta no sofá e ouve um choro. A câmera deve mostrar sua expressão facial em SLOW MOTION. 

FUSÃO COM 

05 - SENZALA / NOITE / INTERNA 

O bebê de Justina é levantado pelos pés por Ariclê, que diz, gritando: 

ARICLÊ 
É um menino! Um meninão, Justina. 

FUSÃO COM 

06 - QUARTO DA CASA GRANDE / NOITE / INTERNA 

Já estão no quarto Antônio e João. Donana entrega a criança para Antônio, que não contém as lágrimas de alegria. 

MARGARIDA 
É uma menina, Antônio. 

ANTÔNIO 
Uma menina muito linda. Nossa princesa. 

MARGARIDA 
E cabe ao pai dar o nome. Então, você escolhe. 

Antônio levanta a menina, ficando face a face com ela. 

ANTÔNIO 
(Consternado)
Beatriz! Esse vai ser o nome dela. Aquela que faz feliz as pessoas. 

FUSÃO COM 

07 - SENZALA / NOITE / INTERNA 

Justina está com o menino nos braços. 

JUSTINA 
Gaudêncio. Meu fio vai chamá assim. 

Ela sorri para o menino. A cena vai escurecendo, em FADE OFF, até que a tela escurece completamente.

CONTINUA...

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