Chegamos a mais um mês importante. Neste mês o Literatura Exposta completa dois anos. E nada mais especial que lembrar a maior obra do Visconde de Taunay para comemorar. Inocência é desses livros de redação rebuscada, que as escolas insistem em passar para seus alunos sem treino para a leitura, e, por isso, eles tomam raiva do livro, que tem uma história linda, mas de difícil entendimento.
Uma história típica do romantismo brasileiro. O grande trunfo de Inocência é sua ambientação, com típicos personagens interioranos especialmente criados pelo autor. Vale a leitura de cada página. Para quem é do interior, muitas expressões serão peculiares. Aqui, não escolhi uma cena com muitas palavras complicadas para a maioria, pois isso dificultaria a compreensão. Mas é só caçar que se acha verdadeiras pérolas nesta obra.
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CENA: FAZENDA DE PEREIRA / MEIO-DIA / EXTERNA
Cirino, Antônio Cesário e Pereira estão na varanda do casarão.
Eles olham para o horizonte.
Pereira tenta puxar um assunto com Cirino.
Pereira: Obrigado por tratar aquele escravo. Ele é um dos meus melhores. Cê sabe o quanto vale um escravo assim...
Cirino: Ah, que nada, Pereira. Eu é que agradeço toda a acolhida que você me dá aqui em sua casa.
Cesário: É... O compadre deve mesmo ser muito grato a mecê. Não é todo mundo que dá conta de um escravo com a atenção que eu vi.
Cirino: Mesmo os escravos precisam de tratamento quando doentes, Cesário.
Os dois voltam a olhar o horizonte.
Cesário quer perguntar por Inocência, mas para na intenção.
Cirino percebe, mas fica quieto.
Cesário toma coragem e resolve tocar no assunto.
Cesário: Mecê a viu?
Cirino: Inocência?
Cesário: Sim. Ela...
Cirino: Sim! Por sinal a curei de sezões.
Cirino fica um pouco incomodado com a pergunta de Cesário.
Pereira, sem muito se mexer, o observa.
Cesário: Ah! É uma guapa rapariga...
Cirino: Parece-me...
Pereira: Isso é... E, afinal... Daqui a poucos dias está casada... Não sabe?
Cirino: Ouvi contar.
Pereira: Pois é verdade. O noivo passou por cá e levou a minha licença. É homem de mão-cheia. A pequena deve estar contente. Ah! nem todas no sertão são felizes assim. O povo aqui arranja casamento às cegas, e às vezes se arruma um mocetão com uma fanadinha ou então uma sujeita de encher o olho com algum rapaz todo engrouvinhado... Cruz!
Cesário: E, uma vez dada a palavra, acabou-se...
Cirino acha a ocasião própria e fala com vivacidade.
Cirino: Então o senhor não é desse parecer.
Cesário intervém,timidamente.
Cesário: Aos pais é que convém inziminar essas coisas.
Dizendo isso, ele aponta com a cabeça para Pereira.
Cirino: Boa dúvida... Mas... Se... Sua afilhada... Se ela não gostasse de Manecão?
Pereira: Não gostasse?
Cirino: Sim. Ela pode achá-lo um tanto feio para ela, ou, quem sabe, achar um partido melhor para si.
Pereira: E que nos importa isso? Uma menina como ela não sabe o que lhe fica bem ou mal... Ninguém a vai consultar. Mulheres... O que querem é casar. Não ouviu já o patrício dizer que elas não casam com carrapato, porque não sabem qual é o macho?
Cesário sorri.
Logo depois, fechando de repente a cara, pergunta:
Cesário: Por que é que estamos a dar de língua nesse particular? Não sou amigo disso. Quer-me parecer que mecê é um tanto namorador...
Cirino (protesto): Eu?
Pereira: Boa dúvida! Eu cá nem falar nelas quero. Mulher é para viver muito quietinha perto do tear, tratar dos filhos e criá-los no temor de Deus; Não é nem para parolar-se com ela, nem a respeito dela.
Cirino fica assustado com o que ouve, mas tenta se manter normal.
Pereira fica impassível, só observando os modos de Cirino.
Cesário: Minha afilhada deve levantar as mãos para o céu. Achou um marido que a há de fazer feliz e torná-la mãe de uma boa dúzia de filhos.
Cirino: Sim... Certamente!
Cirino estremece, mas nada mais diz.
Os três voltam a ficar quietos, olhando o horizonte.
Eu gosto do jeito que você escreve, me faz embarcar no mundo dos personagens. E isso não é mérito de muitos.
ResponderExcluirParabéns por mais uma primavera que o blog está completando, sempre atualizado e repleto de textos de alto contéudo!!! Bjus, Fernanda