O apagar das luzes

Por aquela praia ele caminhava. Sem destino, Quase sem um caminho. Precisava pensar um pouco em sua vida, nas coisas que ele fez, ainda que sem querer. Aquele destino, lógico, ele não gostaria de ter. Mas não mandamos nas consequências das nossas ações. Podemos prevê-las, e tomar medidas para que elas não ocorram, mas, uma vez que existem as nossas ações, é inevitável a consequência. É o natural da vida. Uma relação de causa e efeito, da qual é impossível nos livrarmos. Só existe uma forma de fazer com que consequências ruins não cheguem às nossas vidas, e esta coisa é, sem dúvidas, a boa ação. Ele não previu. Embarcou no carrossel de emoções, levado por outros impensados. Ele se deixou levar.
O mais complicado nas relações humanas é o sentimento legítimo de soberania pessoal que cada ser humano tem. Dizem ser o tal Livre-Arbítrio dado por Deus aos humanos. De qualquer modo, é algo muito difícil de lidar, sobretudo porque os homens que aprenderam a usar com sabedoria seu destino livre nunca foram possuidores de forças para fazer com que, ainda em vida, suas ideias fossem disseminadas para o maior numero de pessoas ao redor do globo terrestre. E quem não entendeu que soberania pessoal é uma coisa que não exclui a responsabilidade pelas ações consigo e com o todo, pela história afora, sempre teve um espetacular poder de convencer outras pessoas a segui-los, irracionalmente.
Assim a humanidade caminhou, por um destino torto, sempre povoado por conceitos mal formados e intenções obscuras dos atores que dão vida aos personagens da nossa trágica vida real. Ao falar em comprometimento com a humanidade, o ser humano demonstrou sua faceta mais demagoga. Em nome do bem da humanidade guerras inúteis foram travadas. Em nome de uma sociedade perfeita, milhares foram obrigados a servirem em campos de trabalho forçado de países onde, no papel, o bem era comum a todos, mas, na prática, só para os companheiros do regime. Em nome de uma “raça” pura, genocídios foram cometidos contra povos indefesos. Em nome da liberdade, muito se matou, por vezes com requintes de crueldade.
Pelo desenvolvimento humano, experiências infames foram feitas. Animais indefesos foram brutalmente castigados, sem o direito de dizer não. Até porque sua linguagem não era inteligível aos homens. Com a desculpa da pressão por alimentos, se devastou o mundo. Não que florestas fossem a única fonte de renovação do ar e de purificação da água, mas elas estavam ali, há milênios, fazendo a sua parte em nome do verdadeiro equilíbrio das coisas. O homem tratou como inimiga sua maior parceira na aventura da vida. A natureza cobrou seu preço. E a sociedade “perfeita”, tão procurada, logo se perdeu. Vidas se foram. Mas a vida não se renovou. O sonho de liberdade individual, mal explicado e nunca entendido, foi o cadafalso velado da humanidade.
Aquele homem que andava sem destino pela praia era o ultimo ser humano vivo na face da terra. Ele já não nada a fazer, pois, o resultado de tudo também era culpa dele, que, ainda que não tenha derrubado uma árvore sequer, nem inundado sua cidade com seu lixo, foi certamente omisso. Sim. Ele se calou. Não gritou quando era o tempo de fazê-lo. Agora já era muito tarde. Já não havia mais nada o que fazer. As poucas árvores sobreviventes não conseguiam lhe dar mais o ar puro que ele precisava para viver. Os rios estavam todos imundos, impróprios para oferecer-lhe água. Os vegetais, tão necessários para sua alimentação já não mais existiam, pois a terra era infértil. O fogo consumia tudo, mas não para renovar, pois já não havia mais renovação possível no mundo.
Então, na praia, ele sentou. Para o mar ele olhou. Ficou contemplando-o daquele modo, intensamente. Aquela era certamente a ultima visão que ele teria em sua vida. Já não havia mais esperança. Nada mais se dava para fazer. Só o que se podia minimamente plausível ser feito era ficar ali, sentado, esperando a morte chegar. E ela não se demorou. Com um sopro fez o corpo dele na areia escaldante recair. Pronto. O fim! Toda alegria acabou. Toda beleza se foi. Nada mais resta na terra. Chegamos ao fim do mundo. Não existia mais nenhum som. Apenas o silencio nos dominava. O fim chegou e não havia mais ninguém para dizer adeus. Desfaça-se a luz, pois a aventura acabou.

5 comentários:

  1. cara ficou bacana essa historia parabens por uma escrita bem clara e inteligente. Me fez imaginar realmente o fim.

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  2. Ficou maravilhosa a historia!!!
    O título do texto já diz tudo "O apagar das luzes". É o que estamos presenciando hoje. Existem varios desses homens caminhando pela praia, mesmo que estes não contribuam diretamente, se ocultam, não fazem a sua parte, que pode ser mínima mais muito significativa em vista do caos que está se alastrando, mas que poucos percebem o que está realmente acontecendo!

    Espero que as pessoas compreendem a mensagem passada através deste texto, serve de alerta.

    Parabéns, Léo, foi um dos textos que eu mais gostei. Bjs

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  3. Que bom que gostou do GAZ. Tbm curti seu blog e qdo estiver com mais tempo, passo por aqui pra me dedicar mais. Abç.

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  4. Um dos seus melhores. Eu acho que, dessa vez, vou guardar o que eu ia dizer. Não estou afim de compartilhar, ultimamente. Acho que a humanidade já chegou ao fim faz tempo. O que falta agora, como um bom câncer, é levar tudo o que sobrou. Eu me sinto cansado. Acho bem feito esse monte de terremotos e chuvas. Acho sim. Pensando dessa forma, me coloco como um dos homens que eu odeio, certo? Não interessa mais. A humanidade vai receber de volta o que ela mostrou para a natureza: o dedo do meio.

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  5. Leo,

    Parabéns pelo seu blog!! O texto é muito bom... realmente provoca uma reflexão...
    Parabéns pela conquista da premiação da Veja!! Muito bom! Vc merece!! E sei que vai longe...
    bjs, Mara

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