Mas, esqueci o essencial
Queria ter a habilidade,
Melhor dizendo, o dom
De identificar pássaros
Apenas pelo seu canto
E não me refiro apenas
A pombos, pardais e bem-te-vis,
Pássaros belos, mas comuns,
Quando digo invejar aqueles
Que sabem reconhecer aves
Apenas pela penugem
E dizem, como se fosse fácil,
Se são machos ou fêmeas
Admiro quem tem tais talentos
Eu, nessa vida moderna de cidade grande,
Fui obrigado a desenvolver outros dons
Me fiz diferente e tão normal
Se não sei reconhecer o canto do rouxinol
Sei diferenciar um Palio de um Celta
Também aprendi a distinguir
Som de sirene da polícia, do resgate
Ou de uma apressada ambulância
Numa terra de prédios gigantes
Cercado por milhões de pessoas
E ainda assim tão solitário
Aprendi a ler nos rostos impassíveis
Quando me veem ou ignoram
E quando me chamam de “querido”
Bem sei notar se a palavra é sincera
Ou formal ou sarcasmo
Ou eufemismo para “idiota”
Vê, a gente se adapta
O tempo nos muda
A vida nos molda
Nem sempre pra melhor
Ainda prefiro a companhia dos pássaros
Celso Garcia
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