As belezas pela internet: "Atendimento ao cliente"


Mês novo chegando, com mais um autor deste vasto mundo da internet aparecendo por aqui. Desta vez, as cortinas se abrem para a apresentação de Celso Garcia, do blog "Histórias Celsísticas", um criativo escritor, que tem a qualidade de ser visualizável em seus textos. Digo isso porque, até por ser diretor, ele tem uma noção e um timming, que por sua vez, permite ao leitor não só imaginar a cena, mas enxergá-la acontecendo diante dos seus olhos. Algo muito difícil, já que o normal da literatura é te levar deste mundo, e não trazer o outro mundo, que encanta e diverte, para diante dos teus olhos. Isso ocorre muito na TV e no cinema, mas é raro ler um texto muitas vezes grande, mas com uma velocidade e numa linguagem que não se vê o tempo passar durante a leitura. E o Celso tem disso.
Boa leitura!


ATENDIMENTO AO CLIENTE
Por Celso Garcia


- Quero falar com o chefe daqui!
- Como é? - disse o Arcanjo.

Em frente a ele, uma senhora baixinha, Dirce, cerca de 40 anos, voz rouca e cara fechada.
- Eu ainda to feia. Me chama seu superior.
- Desculpe, amada, mas São Pedro está ocupado no momento, resolvendo problemas meteorológicos.
- Se ele ta acumulando função é problema dele.

Dirce estava irredutível. O Arcanjo, com toda simpatia que é peculiar aos anjos do mais alto escalão, tenta tranquilizá-la.
- Minha filha, não há mais motivos para tristeza. Estais no céu.
- Dane-se!
O Arcanjo ficou corado. Jamais um palavrão fora proferido no céu.
- Veja estes lindos campos, essa luz, essa paz. Você pertence a este reino agora.
- Mas eu continuo com a mesma aparência. Pensei que quando viesse pro céu eu fosse ficar bonita, mas olha. To com a mesma cara, o mesmo corpo.
- Isso não tem mais importância, agora.
- Escuta aqui, ô da asinha, pra mim isso importa sim. Quero falar com Deus.
- Impossível.

Vendo que seria incapaz de resolver o problema sozinho, o Arcanjo chama uma instância superior. E São Lucas se materializa ali mesmo, em questão de segundos.
- Salve, São Lucas, tu que és tão sábio e ponderado. Explicai a esta nobre alma aflita que agora ela está nos céus, e que nada deve afligir seus pensamentos.
- Bobagem! - emendou Dirce. Lá embaixo me prometeram um monte de coisa. E chego aqui, não vejo nada. Passei minha vida seguindo à risca tudo o que me falaram. Não me casei e tive que morrer virgem. Por amar ao próximo, engoli sapo atrás de sapo. Em todos os problemas que eu passava, dava graças à Deus. E de que adiantou?
- Viestes aos céus, filha. - interveio com uma suave voz o polido São Lucas.
- Pra que? Cadê o ouro que me prometeram? Cadê as fontes jorrando ambrosia?
- Era tudo um simbologia.
- Ora, São Lucas! Inventa outra. Aqui eu não posso ver Deus, nem Jesus, aposto que sequer a Ave Maria. Pra que vir prum lugar assim, que nem cigarro tem?
- Mas foi justamente o cigarro que a matou, amada... - disse o Arcanjo, já perdendo a santidade.
- Vocês deviam ter vergonha. Isso é propaganda enganosa. Mentir é pecado, sabiam?
- Blasfêmia! - esbravejou o anjo.

São Lucas pediu-lhe calma.
- Não te prometemos nada disso, filha. - retrucou docemente o santo.
- Ah, não? Me dá uma bíblia que te mostro direitinho essas promessas.
- Mas essas promessas foram escritas por homens.
- No nome de vocês, aqui de cima. Eu não tenho culpa se eles aumentaram ou inventaram alguma coisa, tenho? Quero o que é meu por direito.
- Sinto muito, mas as coisas aqui não funcionam assim. Acalme-se.

Dirce respira fundo. Nem no INPS tivera tanto trabalho para reclamar pelo que era seu.
- Querido, se vocês deixaram alguém lá embaixo responsável pela intermediação entre a Terra e os Céus, então vocês são sim responsáveis por tudo aquilo que me foi prometido. Eu cumpri minha parte, agora, cumpram a de vocês.

São Lucas, peocupado, puxa o Arcanjo de lado. Sussurram em uma língua totalmente desconhecida à pobre mulher.
- Ela está certa. - disse o Arcanjo.
- Sim, mas pra satisfazer os anseios dela, seria necessário uma revolução aqui em cima. Mudar a Palavra, a Aliança com os homens, um rebu. E justo hoje Pedro foi tomar conta do tempo.
- Temos que falar com o Filho do Homem.
- Quem sabe até com o próprio Homem. A menos que...

Estavam pensativos quando Dirce deu-lhes o ultimato.
- Então, como é que a gente fica?

São Lucas olha serenamente para ela, tocando-lhe a cabeça. E a próxima coisa que Dirce viu foram dezenas de pessoas correndo assustadas enquanto ela se levantava do caixão e o padre gritava:
- Milagre! Milagre!

Um comentário:

  1. Gostei de mais!!! Super criativo, dinâmico e com um pequeno toque de humor no final.


    Parabéns!!!! Bjs

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