Livro em Cena: "Sedução Fatal"

Esse mês eu quis trazer um autor menos conhecido do grande público, não apenas para descansar vocês dos clássicos, mas como forma mesmo de incentivar que novos autores possam ser lidos. O de hoje é o paraense Leopoldino Ferreira, cuja história se apresenta densa, forte, com um mote pesado. É um romance que trata de assédio, tema que mexe com as emoções das pessoas, e nos remete à sempre questionável ânsia de superioridade que homens tem sobre as mulheres. Vale conferir esse belo título. Sua biblioteca ficará, sem duvidas, mais rica.


CENA: ESCRITÓRIO DE VIRIATO / INTERNA / DIA 

Em um edifício no centro da cidade, Viriato está sentado em seu escritório, olhando a paisagem pela Janela. Mionete chega, quebrando o silêncio e assustando Viriato. 

Mionete: Capitão Viriato, parece que aquela mulher que o senhor anda procurando ligou para cá de um telefone público; a do acidente! O nome dela é Cleyde. O número que ficou registrado é este aqui. Ela é bonita? 
Viriato: Por que está interessada? Você com sua mente maliciosa! 
Mionete: Eu só quero que o senhor não encontre outra vigarista como aquela que lhe deu um enorme prejuízo. O senhor não tem mais idade para aventuras romanescas. 
Viriato: Ora, menina! Estou querendo apenas reparar um erro, o de tê-la jogado naquele hospital. Eu estava tratando de uma emergência quando ela atravessou a rua correndo. O motorista foi muito rápido. Por isso, ela não se machucou muito. Eu apenas não tive mais tempo de voltar ao hospital onde a deixei. Quando fui no dia seguinte, a enfermeira me informou que ela havia fugido de madrugada. Não sei porque ela fez isso! 
Mionete: O senhor sabe como são esses hospitais públicos! Mais parecem matadouros do que casas de saúde. O que o senhor vai fazer agora? 
Viriato: Por favor, chame aquele mesmo motorista que estava comigo no dia do acidente. 

Mionete sai do gabinete e logo volta com o motorista. 

Viriato: Anote o número deste telefone. Quero que descubra em que rua do bairro se localiza e depois procure saber nas imediações se alguém conhece uma moça por este nome. Depois que a localizar, você vai reconhecê-la; comunique-me imediatamente. 
Mionete: O que o senhor vai fazer com ela? 
Viriato (debochado): Não sei! Como está o seu caso com aquele jovem? 
Mionete (insinuando): Ah, capitão! Ele ainda não me esquentou como eu queria. 
Viriato: Oh, não sabia que você era tão “moderna”, hein? Gostaria que me trouxesse aqui o detetive Toquinho que trabalha no caso das escravas brancas. 

Mionete sai outra vez do gabinete e minutos depois entra junto com o detetive. 

Viriato: Muito bem, meu caro Sherlock, como anda aquele caso da Agência de Modelos? 
Toquinho: Patrão!... Já coloquei naquela fila monstruosa uma pessoa de confiança que vai ser minha informante. (Falando pausado) Não vai ser fácil porque eles estão instalados legalmente e até agora só temos evidências de que eles estão traficando mulheres de qualquer cor e outras coisas mais que vamos descobrir. Tem outra dificuldade: é que nesse negócio tem o filho de um figurão que parece ser o chefe da quadrilha. O senhor sabe como funcionam nossas leis. Parece que elas foram feitas sob medida para proteger certos bandidos. E como esse figurão tem muito dinheiro, ele vai ter muitos advogados bons e no final ainda vão rir na nossa cara. Que país é este? 
Viriato: Ora, não comece a filosofar sobre “que país é este!”. Vamos cumprir com nossa obrigação... Essa ideia de colocar um informante é boa, mas também é perigosa. Essa quadrilha também age no mundo da droga com gente poderosa por trás, inclusive alguns políticos. Al Capone não faria melhor! Só faltam aqueles carros pretos das décadas de vinte e trinta! 
Toquinho (Gargalhando): E eu nem me pareço com o Eliot Ness! Com aquele seu sobretudo cinza eu ficaria mais vistoso. Mas com este calor infernal a gente poderia derreter. Gostaria que fosse frio para usar esse sobretudo em vez deste guarda-chuva que só serve para me atrapalhar quando corro atrás de bandidos. Nem temos um carro decente! E o nosso salário? Só posso dar à informante uns trocados. Também a coitada só vive de bico e de outras coisas. Mas ela não é interesseira, pelo menos comigo. Ela é bonita e bem feita de corpo. Eles vão gostar dela! 
Viriato: Nesse momento ela já está naquela sala sendo espionada pelos patifes. 
Toquinho: Depois que elas são selecionadas, mostram uma fita cassete com tudo que elas vão ter no exterior como “modelos.” Depois, compram roupas e perfumes do Paraguai que eles dizem ser da França. Tiram os passaportes, que as bestas recebem com tanta alegria, como se tivessem ganho a sorte grande. Vem a viagem de avião e o orgulho de estarem sentadas ao lado de pessoas importantes. Descem do avião. Entram num carro. Os passaportes são requisitados com gentileza para serem apresentados na portaria do hotel. Desembarcam do carro. Adentram em uma residência com fachada de hotel, e adeus à liberdade... 
Viriato: Precisamos pegá-los em flagrante. Essa sua informante sabe o risco que está correndo? 
Toquinho: Sabe, sim! Ela é muito esperta e vamos pegá-los aqui mesmo. Senão, a Interpol já tem um informante no local de recepção das meninas; no “hotel” que lhe falei. Desta vez eles não escapam! Ela vai conhecer o exterior de graça à custa dos bandidos... 
Viriato: OK! Mantenha-me informado sobre o caso dessas mulheres que querem mandar para o exterior. Por hora, é só! 

Viriato encerra a conversa com o detetive, levantando a mão direita, apontando que ele pode sair.

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