O caso das laranjas

Quase todo mundo, alguma vez na vida, provavelmente na infância, já fez de uma atividade corriqueira uma grande aventura, com direito a mocinhos e bandidos, e situações de tensão. Tudo na imaginação, sem nexo com a realidade. O bom da vida é poder desfrutar de momentos assim, seja com os amigos, quando somos crianças, seja com nossos filhos e netos quando, já adultos, os temos. Mas especificamente quando ainda pequenas promessas para o mundo, tudo isso tem uma aura muito mais instigante.
Fred era um menino muito levado. Era arteiro mesmo. Vivia se metendo em confusão. Nada que prejudicasse os outros. Eram confusões que ele mesmo criava, na sua cabeça. Ainda bem, pois criança precisa mesmo é brincar, se mexer. Menino parado é menino doente. E saúde era algo que Fred tinha aos montes. Não sossegava. No recreio da escola, ele é quem criava as brincadeiras, e por vezes até guiava os amiguinhos nas grandes aventuras pelo “pátio sombrio e cheio de surpresas”. Fred era tão criativo que até as professoras já se viram envolvidas pelas histórias dele. 
Mas o melhor mesmo era quando Fred ia, de férias, para o interior, visitar o avô. Seu Antero era uma criança com idade avançada. Adorava embarcar nas aventuras de Fred. Era como se ele mesmo rejuvenescesse com tudo aquilo. Tudo bem que no fim do dia algumas dores o incomodavam. Mas eram muito mais gostosos os momentos que passava com seu neto. E foi numa dessas tarefas que, para o Seu Antero, eram corriqueiras, que aconteceu uma das maiores aventuras de Fred. 
Seu Antero precisava ir ao seu quintal, demasiado grande, e em declive, para colher as laranjas, que estavam maduras. E havia muitas no pé. Seria um desperdício perdê-las. Colhidas, elas podiam virar doce, inclusive. E um doce desses de roça, que são ainda mais saborosos que os enlatados comprados nos supermercados. Foi então que Seu Antero teve a ideia de levar consigo o neto. Estava pronta a aventura de Fred no quintal secreto, em busca das laranjas mágicas. 
- Pode deixar, vovô... Eu vou te proteger lá. Vem atrás de mim porque é muito perigoso. 
- É sim, Fred. Muito mesmo. Preciso de você lá comigo. 
- Ainda bem que eu to aqui, né? 
- É verdade. 

E lá se foram os dois. Cada passo de Fred era pensado. Ele olhava para todos os lados, para poder seguir com segurança no quintal todo capinado, onde se podia ver ao longe. Era mais fácil os bichos fugirem dos dois que o contrário, pois não havia esconderijo para prepararem os botes e pegar os dois humanos de surpresa. Mas Seu Antero entrou na brincadeira, e foi com o neto pé-por-pé, no clima da aventura. 
Chegando à laranjeira, eles abriram suas sacolas e se puseram a colher as frutas. Estavam lindas, madurinhas, prontas para comer. Seu Antero sacou seu canivete, que sempre o acompanhava quando ele ia fazer qualquer coisa naquele quintal. Descascou duas laranjas, e ficou com Fred saboreando-as. Depois de algum tempo colhendo e comendo as laranjas, eles resolveram voltar. As sacolas já estavam cheias. A do Seu Antero era maior, cabia muitas. E a de Fred menor, de modo que o menino conseguisse levá-la. 
Então, Fred, querendo imitar seu avô, virou-se para o morro, e jogou a sacola com as laranjas nas costas. Como o menino não tinha estrutura para aguentar o solavanco nas costas, saiu rolando com o saco de laranjas morro abaixo. Seu Antero não sabia o que socorria primeiro, se o menino, ou as laranjas que rolavam morro abaixo, saindo da sacola. Claro que ele foi cuidar primeiro do neto. Afinal, eram somente laranjas. E no pé tinha mais. Os bichos que as comeriam também eram filhos de Deus e tinham direito. Fred era mais importante que elas. 
Quando chegou lá, ao invés de encontrar um menino assustado com o tombo que tomou, e com lágrimas nos olhos até, pelo susto, Seu Antero viu um menino bravo, sacudindo a poeira. 
- Viu, vovô? Fui pego de surpresa. Ai, esses vilões. Mas da próxima vez eles não me pegam mais. Vão ver só!

Seu Antero não teve como dizer nada. Simplesmente sentou-se no chão e caiu na gargalhada com seu neto, ajudando-o a se limpar. Afinal, não há nada melhor que rir da vida e dos momentos tensos pelos quais passamos. Não vai mudar nada ficar brigando com o que já passou. Pense nisso!

Leonardo Távora

2 comentários:

  1. Que legal, acabei embarcando na história também, deu para imaginar cada detalhe da cena. Muito bom!!! Está de parabéns!!!

    Bjs

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  2. Que história boa!

    Singela, onírica, cheia de significado.

    Algumas passagens me lembraram Marcos Rey, um dos meus escritores preferidos.

    Parabéns pelo blog! Já adicionei na lista do TaFun.

    Abração, Eddy!

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