Eram seis e meia. O despertador estava silencioso como uma brisa leve. A casa inteira já havia se levantado com aquele maldito “Triiiim... Triimmmm...”. Já deveriam ter tentado acordá-lo sem sucesso.
Em uma segunda qualquer, não poderia deixar de ser assim, Paulo estava rigorosamente atrasado. Como quem gosta de cumprir seus prazos e obrigações, o carrancudo homem nem bom dia deu ao porteiro de seu prédio e, tão logo ouviu o baque da porta, que fechara atrás dos seus passos, encaminhou-se apressado para a estação.
Acordar vinte minutos após desligar inconscientemente o despertador nas manhãs de segunda era quase que um ritual. O tempo o enrijecera e daquele maldito hábito, como de outros tantos, não conseguia mais se desvencilhar.
Apesar de ter, há anos, abandonado o “Show da Vida” e dispensado as informações do Seu Cid Moreira, o homem não dormia bem. Durante as madrugadas de domingo para segunda, sempre foi acometido daquilo que gostava de nominar mal súbito.
Por volta das duas da manhã Vanda sempre o acordava com um golpe certeiro com a mão, que o atingia prontamente na cara. Depois disso, não conseguia dormir. Quando pegava no sono novamente, o despertador tentava despertá-lo sem sucesso. Incrivelmente, a mulher não costumava falhar.
Vez por outra ele acordava assustado:
- Vanda! Vanda! Acorda meu bem!
- O que foi homem? – Perguntava a mulher.
- Não tomei a bofetada habitual e pensei que algo tivesse lhe acontecido.
Satisfeito de ter a mulher ainda viva ao seu lado, voltava a dormir. E, de pronto, era acordado dez minutos depois com a porrada que tanto queria. Chegou a acreditar, durante algum tempo, que a mulher o fizesse de propósito. Mas, logo abandonou a crença quando uma noite fingiu dormir e acompanhou o ritual: ronco, breves momentos de apnéia, golpe certeiro (do qual pode se desviar ao menos uma vez) e ronco novamente. Não poderia fingir tão bem.
Ao chegar, às oito e vinte, em ponto, ao escritório, encontrou Ana - uma colega de trabalho que há anos o acompanhava na labuta diária - em polvorosa que, aflita, o alertou:
- Paulo, te chamaram na diretoria. Eu tentei ligar no celular, mas estava fora de área. O que aconteceu?
Batendo a mão em seus bolsos o homem se deu conta de tê-lo esquecido em casa.
- Aline, o Dr. Roberto solicitou que eu viesse. – Disse à secretária quando adentrou o andar da presidência.
- Faça o favor Paulo. – Uma voz grossa o chamou.
Entrou e, cerca de dez minutos depois, saiu demitido. Os atrasos haviam extrapolado os limites do aceitável. A direção não podia mais tolerar, depois de tantas advertências, os mesmos erros. Na verdade, aquela era somente uma desculpa para a reformulação do quadro de funcionários que o “bostinha” do Dr. Roberto (assim qualificaram o jovem quando assumiu a presidência do grupo), há muito, queria implementar.
Triiiim... Triimmmm... O telefone tocava no bolso.
- Mas, como? Eu o esqueci. – Paulo batia as mãos nos bolsos novamente.
Abriu os olhos e o despertador marcava seis horas e dez minutos.
Por via das dúvidas resolveu que naquela segunda seria melhor se levantar na hora certa.
Gustavo Dias
Por via das dúvidas resolveu que naquela segunda seria melhor se levantar na hora certa.
Gustavo Dias
Muito bom o texto, amigo! Parabéns!
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