Livro em Cena: "O Cabeleira"

Mais uma edição dessa seção que gosto muito chegou. Confesso que fico sempre esperando o dia de poder divulgar uma nova cena de livro aqui com vocês. Ainda mais vendo que os mais vistos do blog são exatamente estes "Livro em Cena" que faço com muito carinho, e que vocês recebem com muito gosto. Fico muito feliz mesmo com isso.
Este mês escolhi um livro de mais um imortal. Franklin Távora é um autor que amava falar do nordeste e dos tipos incríveis, cheios de elemento que habitavam esta região no período em que viveu. A cultura nordestina é muito rica, assim como cada parte do Brasil que tem hábitos peculiares, vindos da mistura de pensamentos de várias partes do mundo que formaram nosso modo de pensar e de agir. Somos o povo da mistura, e é no juntar de hábitos dos nossos diversos cantos que seremos cada vez mais fortes. O Cabeleira conta a história de um vilão que teve seus motivos para virar o temido criminoso, que bota medo por onde passa. Vale muito a pena comprar este livro e conhecer essa história.
Boa leitura!

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CENA: BEIRA DO RIO / EXTERNA / INICIO DE NOITE

Luisinha está à beira do rio enchendo latas com água. Ela termina de encher as latas, e se senta na areia da beira do rio. O Cabeleira, escondido no mato, a observa. Ela nota que ele está olhando e se levanta, indo até as latas, com medo. Ele chega antes dela e a pega pelo braço. 

Cabeleira: Nem adianta fugir. Sou bem mais rápido, moça! Antes do diabo esfregar o olhos eu chego. E você não sai daqui sem minha vontade. 

Luisinha olha assustada, mas o lugar está deserto. 

Luisinha (Muito assustada): Meu Deus me ajuda! Não tem nenhum cristão aqui pra me salvar. 
Cabeleira: Ninguém mesmo. Agora é com nós dois. 

O Cabeleira arrasta Luisinha pra dentro do matagal. 

Cabeleira: Aqui não tem ninguém. Você é só minha, rapariga! 

Luisinha se enche de coragem e tenta se soltar do Cabeleira. 

Luisinha: Me deixe ir embora, que já está ficando tarde. (brava, olhando para ele) Posso encontrar um malfeitor pelo caminho. 
Cabeleira: Quer malfeitor maior do que eu? 
Luisinha: Você não é um malfeitor. Você veio caçar por estas bandas, e, como me encontrou neste ermo, tá me metendo medo para se divertir à minha custa. Aposto que me defenderia se alguém quisesse me fazer mal. 
Cabeleira: Olha, certamente. Nenhum gavião seria capaz de me tirar das unhas a minha formosa juruti. Ora, vem comigo. Não fique com medo. Atravessamos por este limpo, ganhamos a capoeira, subimos pela aba da serra e... 
Luisinha (medo): Deus me livre! 
Cabeleira: Ah! Se você não quiser vir por bem, vem por mal. 
Luisinha: Por mal? E onde está Deus? Nem por mal nem por bem. Eu não vou com você ainda que me custe a própria vida. Eu sei que Deus me está ouvindo de dentro deste mato, de cima deste céu. Ele há de se lembrar de mim. 

O Cabeleira se assusta com a firmeza de Luisinha. 

Cabeleira: Ora, menina, deixa de asneiras e vamos para diante enquanto o caso não fica mais sério. Você é bonita, eu também não sou feio; assim, podemos ter filhos galantes como os têm os passarinhos lá no seio da solidão. 
Luisinha: Meu Deus, meu Deus, compadeça de mim enquanto é tempo! (T) Socorro!!! 

Na penumbra, ao longe, o Cabeleira vê alguém se aproximando. 

Cabeleira: Quem é que vem ali? Eu podia agora mesmo entrar contigo nesse mato adentro. Se tentasse gritar, te tapava a boca, e ninguém saberia o teu fim. Mas quero ficar, para em vez de uma, levar em minha companhia duas mulheres para o mato. 

Luisinha vê que é sua mãe se aproximando e grita. 

Luisinha: Estou aqui, minha mãe, estou aqui. 

Florinda aparece com um cassetete e um facão nas mãos. Luisinha tenta correr para perto de sua mãe, mas o Cabeleira a segura fortemente pelo braço. 

Cabeleira: Não vai! Daqui você não sai. 

Florinda ja chega em posição de combate, pronta pra golpear o Cabeleira, e, ao ver Luisinha, parte pra cima dele com tudo, sem perguntar de onde veio. Os dois começam a brigar, ela perde o cassetete e tenta golpeá-lo com o facão, que bate no cano da espingarda e se parte ao meio. Ao se ver desarmada, ela se afasta do Cabeleira. 

Florinda: O que você quer com minha filha, seu desgraçado? 
Cabeleira: Ahá! Quero levá‑la comigo para me divertir. Se tens força para me impedir, tenta agora. 

Florinda corre e consegue pegar o cassetete, e parte pra cima do Cabeleira. Luisinha aproveita e corre dali. O Cabeleira consegue pegar o cassetete e lança um golpe certeiro na nuca de Florinda, que cai desmaiada. O barulho da pancada é alto, e Luisinha pára e olha para trás, e, vendo sua mãe caída, volta para perto do Cabeleira, para socorrê-la. 

Cabeleira: Ah! Não conhece o Cabeleira, cascavel? Vêm se meter na boca da onça, e depois dizem que a onça é cruel. 
Luisinha (Surpresa): Cabeleira! 
Cabeleira: Admirada por quê? Não sabia que o Cabeleira está em toda parte onde não o esperam? Vem comigo. 

O Cabeleira arrasta Luisinha para dentro do mato, enquanto Luisinha esperneia e tenta se livrar dele de todas as maneiras. Ele encontra um lugar ermo, embaixo de um juazeiro e decide parar ali. 

Cabeleira: É... Aqui ninguém vai nos incomodar. 
Luisinha: Agora te conheço, José malvado. Me mata também! Já matou a minha mãe que nunca te ofendeu. 
Cabeleira: Ah, você conhece afinal o Cabeleira? 
Luisinha: Você também me conhece, desgraçado! 
Cabeleira (Surpreso): Como assim? 
Luisinha: Me olhe bem. Até de Luísa se esqueceu! Assassino, eu te perdôo a morte: Me mata. Anda! 

O Cabeleira se aproxima, e reconhece Luisinha, se assustando.

Cabeleira: Ah! Era você? Me perdoe, Luisinha. Eu não a esqueci. (mais brando) E não sabia que era você. 
Luisinha (chorando): Quem perdoa é Deus, assassino de minha mãe. 
Cabeleira: Me perdoe, Luisinha. Eu não posso te levar comigo. O meu rancho está em perigo, e os camaradas me chamam pra socorrê-los. Mas espere por mim um pouco debaixo deste juazeiro, que eu quero que você me ouça. Eu volto já. 

Então o Cabeleira sai correndo dali, sumindo no escuro da noite.
Luisinha se senta no chão, chorando.

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