Não se via uma única branca nuvem no céu. Plácido o firmamento celeste não refletia a completa desordem do trânsito caótico de segunda-feira aqui em baixo. Assim como, meu rosto tranquilo não dava sinais da mais pavorosa revolta que eu carregava em meu interior.
Para todos os lados que se pudesse olhar o retrato da felicidade atrasada e do respeito hipócrita ao espaço dos outros. Ninguém, de fato, sentia-se confortável em seu pertencimento ilusório a um ambiente comum tão singular quanto pudesse ser. O liberalismo atingira seu ponto alto. O respeito às liberdades individuais garantido pela quinta emenda já transcendia as fronteiras de seu círculo e avançava sobre o recipiente que abriga o comum.
Meu coração queria pular do peito. Respirava um ar impuro dividido com pessoas incapazes de purificá-lo. Mesmo parado na calçada, aguardando que o semáforo liberasse minha travessia, parecia correr por entre os carros que buzinavam loucamente uns para os outros como se o problema fosse realmente deles e não dos homens que os pilotavam.
De repente, avistei do outro lado da avenida uma senhora. Tranquila, serena e calma ela observava com um sorriso difícil de distinguir nos lábios todo aquele movimento. Olhava para o céu e para a rua. A imagem que me veio foi de uma criança rodando sem parar, às gargalhadas, em volta de si mesma com os braços abertos num dia de sol.
Havia qualquer coisa de sublime naquela senhora. Minha pequenez nunca deu conta de abarcar os poucos segundos em que pus-me contemplativo a olhá-la. De certa forma, ela parecia ter compreendido o sentido da vida. Seu semblante, não sei explicar, mostrava uma percepção a cerca do real poucas vezes visível. Ela de fato encontrava sentido em tudo aquilo que me fazia explodir.
Pude observar virando à esquina um motorista tomado pela mesma loucura que me consumia. Ele buzinava sem parar. Vinha se aproximando rapidamente. Cinquenta metros o separavam da senhora. Como quem acena para alguém, ou como alguém que anota qualquer coisa em um pedaço de papel, assim, sem mais nem menos, aquela mulher deu um passo à frente. Ao seu lado, um jovem, que observava a cena como eu, agarrou-a pela cintura, rebocou-a de volta à calçada e como um herói (alienado), sem conhecer as razões da vida, mas atento ao que acontece, salvou a vida daquela bondosa senhora.
A multidão o aplaudiu de pé pelo bravo ato de coragem, astúcia e perspicácia. O motorista, branco como cera, fez questão de parar o carro para, no meio do caos, agradecê-lo por ter impedido a morte da senhora e o peso em sua consciência. A senhora agradecia o jovem e eu me curvava diante dos céus, reconhecendo (diante de seja lá qual for o responsável pelo Ministério Celeste do Caos) a dificuldade da administração desta verdadeira zona.
Gustavo Dias
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