“Sempre quis ser escritor”
Incrível!
Essa é a palavra que resume o autor e a entrevista deste mês.
De família tradicional, sendo seu pai médico, escritor e
jornalista e sua mãe professora, Alcides Nogueira Pinto, 63, cresceu num
ambiente culto aprendendo a ler e escrever antes mesmo de entrar na escola. Seu
sonho era ser diplomata, mas acabou formado em Direito, com pós-graduação em
Direito Autoral.
Em 1977 escreveu sua primeira peça, A Farsa da Noiva Bombardeada. Quatro anos depois veio o primeiro
sucesso, com Lua de Cetim, ganhadora de 16 prêmios.
Contudo, o seu primeiro grande sucesso foi a adaptação para o teatro do livro Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens
Paiva. A peça ganhou 28 prêmios, além de apresentações no exterior.
Na TV, o dramaturgo começou escrevendo programas educativos
e alguns episódios de Caso Verdade e
da série Joana. Colaborou com Walter
Negrão em Livre Pra Voar (1984). Sua
estreia como autor-solo foi em 1985 em De
Quina Pra Lua. Dividiu autoria em novelas de sucesso, como Direito de Amar;
O Salvador da Pátria; Rainha da Sucata; A Próxima Vítima; Torre de babel; e
Pátria Minha.
Em 2008, escreveu a novela Ciranda de Pedra, adaptada do
livro de Lygia Fagundes Telles, para o horário das 18h. Três anos depois,
assinou com Geraldo Carneiro a segunda versão da novela O Astro, de Janete Clair, que
inaugurou um novo horário de novelas na Globo, o das 23h. O remake arrematou o
Prêmio Emmy, que representa o Oscar para a televisão mundial.
Confira abaixo
a entrevista exclusiva com o autor:
Por Patrícia Távora
Literatura Exposta - Já falando da área, como surgiu o gosto pela arte de escrever em sua
vida?
Alcides Nogueira: Meus pais sempre leram muito. Meu
pai, além de médico, foi escritor e jornalista. Assim como meus irmãos, já
nasci entre os livros. Com o tempo, a paixão pela literatura cresceu cada vez
mais. Ainda criança, comecei a escrever pequenos contos. Já adulto, fiz da
escrita o meu ofício. Sou formado em Direito, trabalhei em publicidade, mas
sempre quis ser escritor!
L.E - Para todo jovem escritor é dito que é preciso ler muito, e tudo que
for possível. Para você, isso tem impacto direto na construção de uma lógica de
escrita de texto, ou os estilos surgem de acordo com o “dom” de cada um?
Nogueira: A leitura é fundamental! Todo
escritor, jovem ou não, deve ler, ler, ler, ler. Não acredito que haja um
impacto direto no estilo do autor, até porque para mim o “dom” não existe. Mas
os livros alimentam o espírito, abrem os nossos olhos para infinitas
possibilidades de se contar uma história e nos apresentam mundos até então
desconhecidos. Usando as palavras do mestre Guimarães Rosa, vamos usufruir de
nossas ”horinhas de descuido”... onde tanto se acha, inclusive a felicidade.
L.E - A música influi
de algum modo na sua maneira de escrever?
Nogueira: A música tem uma presença tão forte
quanto a literatura em minha vida. Ouço música o tempo todo. Adoro rock, mpb,
jazz, a música erudita. Eu tenho o hábito de montar trilhas sonoras, muito
pessoais, para as minhas tramas e personagens (risos). Quando vou para o
computador, já coloco as seleções no iPod. E tudo flui melhor! Na televisão,
essa trilha é descartada, obviamente. Mas, no teatro, eu sempre dou pitacos nas
músicas das encenações, quando não monto toda a trilha, como aconteceu, por
exemplo, em “Pólvora e Poesia”.
L.E - As novelas são
paixão nacional no Brasil e despertam variados sentimentos nas pessoas. É
possível comparar aos livros, ou é um campo muito diferente na literatura?
Alcides Nogueira, Fernanda Rodrigues, Mauro Mendonça Filho e esposa no Prêmio Emmy |
Nogueira: Não há como fazer essa comparação.
A relação de um leitor com o livro é íntima, pessoal. Já com a televisão, essa
mesma relação é compartilhada com milhões de outros espectadores. Quando eu
leio um livro, faço anotações, sublinho trechos, releio certas passagens.
Quando vejo uma novela ou minissérie, eu assisto – quase sempre – em tempo real
e de uma vez só. Eu me sinto parte de um coletivo. Com o livro, o momento da
leitura é só meu.
L.E - Você tem uma
lógica própria na confecção de um roteiro, ou tudo segue um padrão de produção?
Nogueira: O padrão de produção determina
muita coisa, a começar pela minutagem do roteiro. Além disso, a produção
estabelece certo número de cenas externas ou passadas na cidade cenográfica.
Claro que sempre existe um espaço para a negociação. Esse padrão precisa
existir ou não se consegue produzir nada, pois todo autor é delirante (risos).
Mas o que mais pesa é a lógica própria. Procuro adequar o que quero criar com o
que a emissora oferece. Dá certo.
L.E - Como é, para
você, ver uma personagem que só existia na sua cabeça tomar forma e ganhar vida
nas telas?
Nogueira: É maravilhoso! Enquanto a personagem
está dentro da cabeça, você ainda não a domina totalmente. Quando ela passa a
ter corpo, cara, gestos, entonações... muda tudo! Não sei se isso acontece com
todos os autores, mas comigo, muitas vezes, depois que a personagem ganha vida,
aquela que estava na cabeça fica quase como um esboço. Ainda mais porque os
atores e atrizes colaboram muito para que a personagem se torne “real”.
L.E - Adaptar um livro
é algo muito complicado, ou a história pronta torna as coisas mais fáceis para
um roteirista?
Alcides Nogueira e Lygia Fagundes Telles |
Nogueira: É muito complicado. Há a necessidade
de se encontrar uma maneira de preservar as vigas mestras do livro e, ao mesmo
tempo, abrir espaço para a sua criação. Por isso não gosto da palavra
adaptação. A segunda leitura de um livro é uma obra nova. Quando levei “Ciranda
de Pedra” para a telinha, eu conversei muito com a Lygia Fagundes Telles. Ela
foi sempre muito generosa. Nunca brecou a minha criação. Trata-se de uma obra
difícil de ser mostrada às 18 horas. O livro aborda a eutanásia, o suicídio, a
loucura, o despertar sexual das adolescentes, o lesbianismo. A minha leitura
procurou preservar tudo isso. Para tanto, procurei não pisar no acelerador,
suavizei muita coisa e usei metáforas. Mas toda a ousadia da Lygia -
maravilhosa! - foi preservada (acho!).
L.E - O teatro é outra
área onde você atua. Como você vê a literatura teatral hoje no Brasil?
Nogueira: Há ótimos autores surgindo e muitas
peças sendo encenadas. O problema é que o teatro, no Brasil, vive de pires na
mão. É sempre muito difícil a captação de patrocínio etc... Por isso, muitos
bons autores demoram a colocar em cena os seus textos. Mas tenho assistido a
espetáculos preciosos.
L.E - Teatro ou
televisão? Por qual campo seu coração bate mais forte?
Leopoldo Pacheco, João Vitti e Fernando Esteves na peça teatral “Pólvora e Poesia” |
Nogueira: Eu gosto muito dos dois veículos. A
televisão possui essa força incrível de prender o espectador, de torná-lo
cúmplice da história que está sendo contada. E o teatro permite a ousadia, o
despudor, a reflexão mais profunda. Fora que é ritualístico. A encenação de uma
noite não será igual à da noite seguinte. O meu coração bate mais forte pelo
palco. Sempre digo que o teatro é o meu espaço no mundo. É onde existe a
conexão com as pessoas. Minha dramaturgia é delirante, cifrada, referencial, e
a cena me permite essa liberdade. Na televisão eu preciso de um denominador
comum, para atingir os espectadores.
L.E - Para encerrar,
deixe uma mensagem para os leitores do Literatura Exposta, sempre fiéis aos
textos inéditos que são publicados neste espaço.
Nogueira: O nome Literatura Exposta já é muito
significativo. Só tenho a dizer aos autores que nunca deixem de praticar o
ofício da escrita. O rigor é necessário. Escrevam, escrevam, escrevam. Mesmo
pequenas frases ou palavras soltas.. Digitem suas inquietações, delírios, o que
viram, o que imaginaram. Os sites e blogs, hoje, tem uma importância
fundamental. Os blogueiros abriram espaços para as criações. Usem esses
espaços. Tomem conta da internet, das redes sociais. Mas não deixem de sonhar
com o livro impresso (essencial), ou com uma encenação teatral ou televisiva.
Não podemos deixar de correr atrás dos sonhos!
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